Francis Effect Postcard. Cortesia: ©Tania Bruguera.

O texto cedido por Tania Bruguera fez parte da sua palestra para o TED Global 2013, em Edimburgo/Escócia.

Os meus pais fizeram parte de uma geração que acreditou nas possibilidades da utopia, por isso fizeram parte de uma Revolução. Ambos acreditaram em uma Cuba melhor e em um mundo melhor. Eu fui emocionalmente educada naquelas crenças.

E então eu cresci e vi as contradições entre a propaganda oficial cubana e a realidade; eu vi a complexidade entre os argumentos governamentais e as minhas próprias experiências. Decidi me tornar uma artista.

 

Minha arte navega entre o utópico e o real, entre o prometido e o realizado. É sobre o imaginário político.

 

No entanto, o que me definiu como artista aconteceu há 20 anos, e, desde então, eu tenho guardada só para mim a história que irei compartilhar hoje. Em 1993, eu era uma jovem artista e decidi fazer um jornal como parte da minha arte. Convidei outros artistas a colaborar. O jornal tomou vida própria, começou a ser fotocopiado, lido e distribuído em todos os lugares.

 

As autoridades tomaram conhecimento do jornal. O que era inaceitável para eles não era necessariamente o conteúdo do meu jornal, mas o gesto ousado de tentar uma imprensa independente. Isto era naquela época (há 20 anos) e ainda é hoje, um ato ilegal.

 

Eu tive que me reunir com o diretor do conselho de arte, quem me aconselhou a não ir adiante com este projeto do jornal, e, obviamente, tão logo eu deixei o seu escritório, corri para a gráfica para finalizar a segunda edição, que era ainda mais política.

Foi naquele momento que a censura se tornou a parte central do meu trabalho; quando eu compreendi a diferença entre criar arte sobre política e criar arte que atua politicamente.

Meu pai, que era embaixador na época, foi incumbido de resolver esta situação. Ele veio até a minha casa, disse-me para lhe entregar todos os jornais restantes e então falou: “vamos dar uma volta”. Nós entramos no carro e ele me levou para uma casa onde dois oficiais da polícia secreta do Ministério de Assuntos Internos estavam aguardando para eu ser interrogada na presença do meu pai.

 

Nunca revelei o nome de quem imprimiu o jornal. Eu sabia que haveriam consequências. Olhei para o meu pai naquele momento, mas não pude compreender o que a expressão em seu rosto queria dizer. Voltamos para o carro em silêncio e nunca falamos sobre este incidente.

 

Foi naquele momento que a censura se tornou a parte central do meu trabalho; quando eu compreendi a diferença entre criar arte sobre política e criar arte que atua politicamente.

El Susurro de Tatlin (Tatlin's Whisper #6), de Tania Bruguera. Bienal de La Habana, 2009.

O que vocês viram [Tatlin’s Whisper #6*] não foi apenas um comício político. Foi uma de minhas performances em um evento internacional de arte em Havana. Um minuto de liberdade de expressão e um microfone aberto em Cuba significam algo mais. Pela primeira vez em mais de 50 anos, as pessoas se levantaram e disseram em público o que até então só era dito em voz baixa para os amigos mais próximos—e com medo.

 

Somente um evento de arte poderia proporcionar este espaço para a liberdade. Esta é a razão pela qual acredito, de forma tão feroz e intensa, na arte como agente de mudança social, como um ensaio da realidade, como um ensaio do futuro.

 

Este evento vazou da cena artística para as ruas, as pessoas começaram a falar sobre isso como se o trabalho fosse uma lenda urbana. Mas este trabalho de arte não teria acontecido da mesma forma e não teria tido o mesmo impacto, se tivesse sido realizado antes ou depois daquele momento específico, porque o trabalho respondia a uma tensão política específica. Este tipo de arte é feita no que eu denomino de timing-político específico.

 

A arte e a política têm muitas coisas em comum. Ambas imaginam o futuro, ambas fazem uso da emoção e articulam o poder dos símbolos. A arte, assim como a política, afeta as pessoas. E eu estou interessada neste espaço onde a arte e a política coincidem, de maneira que possamos transformar o que nos afeta socialmente em eficácia política.

El Susurro de Tatlin (Tatlin's Whisper #5), de Tania Bruguera, Tate Modern, London, 2008.

Em meu trabalho, busco encenar situações que pareçam tão reais quanto possível, de maneira que os espectadores possam se transformar em cidadãos ativos.

 

Este trabalho [Tatlin’s Whisper #5]  aconteceu em um museu, estes não são atores. É a polícia montada, a quem dei instruções para que aplicassem as suas técnicas de contenção de multidão com os visitantes do museu.

 

Foi uma performance não anunciada. Desta forma, as pessoas se comportavam livremente, de acordo com o seu condicionamento social e suas próprias experiências e memórias políticas. É um exemplo do que eu chamo de Arte de Conduta. Esta performance foi repetida seis vezes em Londres. Apenas uma vez uma pessoa questionou as ações da polícia.

 

Minha arte é feita de forma realista e se torna parte da realidade. Nossa realidade está mudando, está se tornando móvel e global. Mas para este novo mundo global nós precisamos construir uma sociedade cívica global. A globalização não pode dizer respeito apenas à economia, mas também à liberdade e aos direitos que as pessoas têm de se mudar e decidir onde querem contribuir com o seu trabalho e conhecimento.

Em um mundo global, todos nós deveríamos ser cidadãos porque dignidade não tem nacionalidade.

Mas nos dias de hoje, objetos cruzam fronteiras com mais proteção e direitos assegurados do que as pessoas. Imigrantes são censurados; não podem se tornar completos como pessoas porque eles não têm permissão para ter direitos, não lhes é permitido ser sujeitos políticos.

 

É por isso que o projeto no qual estou trabalhando agora está construindo um Movimento internacional para imigrantes. Estou fazendo uso do ARTivismo: conhecimento criativo com conhecimento prático para gerar conhecimento político.

Mas fazer arte política implica também em fazer uma arte que fale aos políticos, implica em adentrar seu território.

 

Eu fui recentemente convidada às Nações Unidas, no papel de especialista cultural, para trabalhar com outras pessoas no primeiro documento de direito cultural e liberdade de expressão artística. Eu ouvi tantas e tão variadas reiterações de censura vindas de tantos lugares diferentes e sob tantas justificativas distintas que a situação me fez lembrar do meu pai.

 

Finalmente fez sentido a expressão no rosto dele enquanto eu era interrogada pela polícia do estado. Em nossa última conversa ele disse: “Eu tenho orgulho de você.”

 

Eu aprendi com ele que confrontar a censura nos tornará mais fortes. E eu espero que ele tenha compreendido através do meu trabalho que a arte é útil, e que através da arte nós podemos começar a construir um mundo que funcione de maneira diferente.

Visite o instituto fundado por Tania Bruguera em Cuba: Instituto de Artivismo Hannah Arendt

TANIA BRUGUERA

 

Bruguera investiga meios nos quais a Arte pode ser aplicada ao cotidiano da vida política; transformando emoção social em eficácia política. Seus projetos de longo prazo têm sido intervenções intensivas sobre a estrutura institucional da educação, política e memória coletiva. É reconhecida como uma das 100 Principais Lideranças Globais pela revista Foreign Policy e uma das #Index100 para o prêmio Index on Censorship. Vencedora do Herb Alpert Award 2015, finalista do Hugo Boss Prize, Yale World Fellow na Universidade Yale e a primeira artista residente no Gabinete de Assuntos de Imigração na Prefeitura de Nova York. Em 2013 foi parte da equipe que criou o primeiro documento pela liberdade artística e pelos direitos culturais, com o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Seu trabalho tem sido exibido na Documenta 11, Bienal de Veneza, Tate Modern, Guggenheim e Van Abbemuseum, entre outros. Bruguera continua trabalhando pelos direitos políticos dos imigrantes através do seu projeto de longo prazo Immigrant Movement International. Em 2015 abriu o Instituto Internacional de Artivismo Hannah Arendt, em Havana.

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EDITORIAL | CRISTIANE BOUGER